A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou legítimo, em julgamento realizado nesta quinta-feira (18), o poder da Receita e outras autoridades fiscais de obter dados bancários de contribuintes sem autorização judicial.
Para eles, o Fisco já tem obrigação de guardar dados sigilosos dos contribuintes e a requisição dos dados pode ser necessária para apurar eventual sonegação de impostos.
Desde quarta-feira, o plenário da Corte analisa cinco ações que pretendem derrubar trechos de uma lei de 2001 que autoriza agentes fiscais a acessar -- diretamente junto ao bancos e sem autorização judicial -- informações sobre a movimentação financeira de pessoas ou empresas, caso suspeitem de declaração incorreta no imposto de renda, por exemplo.
Na sessão desta quinta, votaram a favor dessa autorização os ministros Edson Fachin, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Cármen Lúcia. Contra, votou somente o ministro Marco Aurélio Mello.
O julgamento foi interrompido para ser retomado na próxima quarta (24), por decisão do presidente da Corte, Ricardo Lewandowski. Além dele, ainda devem votar os ministros Celso de Mello, Luiz Fux e Gilmar Mendes.
Nas ações, um contribuinte argumentou que a autorização configura "quebra do sigilo bancário", algo que só o Poder Judiciário pode autorizar numa investigação criminal.
A Receita, o Banco Central e a Procuradoria Geral da República, por sua vez, negaram se tratar de uma quebra do sigilo, mas de "compartilhamento de informações" visando à fiscalização, sobretudo de empresas e pessoas cujos rendimentos não são tributados na fonte.
Votos dos relatores
Foi proferido o voto do Relator do Recurso Extraordinário, Ministro Edson Fachin, pela constitucionalidade do art. 6º da Lei Complementar 105/2001. Sustentou o Relator que do ponto de vista da autonomia individual, o sigilo bancário é uma das expressões do direito de personalidade que se traduz em ter suas atividades e informações bancárias livres de ingerências ou ofensas qualificadas como arbitrárias ou ilegais de quem quer que seja, do Estado ou de Instituições Financeiras. Destacou que o dever de pagar impostos constitui um dever fundamental como qualquer outro e tem reflexos na questão da oponibilidade do sigilo bancário contra à administração tributária, porquanto limita o exercício do direito subjetivo à privacidade, na medida em que reputa ilegítimo utilizar o sigilo bancário com a finalidade de elidir os tributos devidos por uma pessoa.
Ressaltou o Relator que, no plano internacional, o Estado Brasileiro tem reiteradamente tomado decisões soberanas a fim de integrar-se ao conjunto de esforços globais de combate à fraude fiscal internacional, à evasão de divisas, à lavagem de dinheiro e aos paraísos fiscais, por meio do aprimoramento de transparência fiscal em relação às pessoas jurídicas e arranjos comercias. Considerou que a identificação do patrimônio, de rendimentos e atividades econômicas do contribuinte pela administração tributária serve para efetivar o princípio da capacidade contributiva, o qual, por sua vez, encontra-se em risco de violação em todas as restritivas hipóteses autorizadoras de acesso da Administração tributária às transações bancárias.
Entendeu, ainda, que, no campo individual, verifica-se que o Poder Público não desbordou dos parâmetros constitucionais ao exercer a sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, na medida em que estabeleceu requisitos objetivos para a requisição de informações pela administração tributária às instituições financeiras, assim como manteve o sigilo de dados. Aduziu que o art. 6º da Lei Complementar 105/2001, é taxativo ao facultar o exame dessas informações somente se houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e desde que tal exame seja considerado indispensável pela autoridade administrativa competente.
Quanto à questão do sigilo, na visão do relator, o que se tem é apenas o traslado do dever de sigilo da esfera financeira para a esfera fiscal, permanecendo a possibilidade de responsabilização civil, administrativa e penal daqueles que violarem o dever de sigilo.
Por fim, no que tange à aplicação da Lei nº 10.174/2001 - que permite o acesso direto da Receita Federal aos dados relativos à CPMF - para constituir crédito tributário referente a fatos gerados ocorridos antes da edição da referida lei e relativos a tributos distintos da CPMF, o Relator considerou que as alterações na ordem jurídica foram apenas de ordem instrumental, portanto, a essa Lei não se aplica o princípio da irretroatividade, nos termos do art. 144, § 1º, do CTN.
Dessa forma, votou pelo improvimento do recurso extraordinário.
Após o voto do Ministro Fachin no RE, o Ministro Dias Toffoli iniciou a leitura dos votos nas ADIs, manifestando-se pela constitucionalidade dos dispositivos atacados nas ADIs (art. 4º, 5º e 6º da LC 105/2001). Ressaltou, na linha do que foi sustentando ontem na tribuna pelos Procuradores da Fazenda, do Banco Central e pela Advogada da União, que o acesso às informações é de extrema importância não só para se evitar a sonegação fiscal como no combate às organizações criminosas. Considerou que a requisição direta dessas informações faz parte do dever de bem tributar e bem fiscalizar que deve reger toda a administração tributária.
Salientou, o Ministro Toffoli, que o Brasil assumiu compromissos internacionais de transparência e intercâmbio de informações fiscais que estarão comprometidos caso se declare a inconstitucionalidade dos dispositivos e se inviabilize essa troca de informações, sem a anuência prévia da Justiça. Essa declaração pode significar um retrocesso do Brasil! Ponderou, ainda, que não haveria razão para se considerar um funcionário de uma instituição financeira mais confiável do que um agente público que tiver acesso às informações bancárias e, no mesmo sentido do Ministro Fachin, também entende que o que ocorre é apenas a transferência de informações com a extensão do dever de sigilo aos funcionários da administração tributária que tiverem acesso aos dados bancários dos contribuintes.
Por fim, ressaltou que, de acordo com o art. 5º da LC 105/2001, a automaticidade do fornecimento da informação é dada apenas à administração tributária federal. Portanto, essa automaticidade não está disponível aos Estados e aos Municípios.
Em seguida, votou o Ministro Edson Fachin pela improcedência das ADIs, acompanhando o Ministro Toffoli.
O Ministro Roberto Barroso, também acompanhou os Ministros Fachin e Toffoli. Defendeu que a Receita Federal já detém informações ainda mais relevantes do que os dados constantes das movimentações financeiras dos contribuintes. Considerou que o sigilo de informações financeiras não se encontra no núcleo essencial de direitos fundamentais, permitindo assim a sua flexibilização. Ponderou, contudo, que, no âmbito dos Estados e Municípios, devem ser editados decretos na linha do que dispõe o Decreto nº 3.724/2001, que regulamentou a LC 105/2001.
O Ministro Teori Zavascki também acompanhou os dois Relatores, pela constitucionalidade dos dispositivos. A questão envolve três ordens de valores: direito à privacidade, segurança dessas informações e o princípio da reserva prévia de jurisdição. Ressaltou que a questão não envolve quebra de sigilo. O sigilo permanece. O dever de sigilo é transferido ao funcionário público que tenha acesso a estas informações e não seria a prévia anuência do Poder Judiciário que daria maior segurança ao contribuinte, afastando, por exemplo, eventual risco de vazamento dessas informações. Não há razão para que a obtenção dessas informações dependam de uma anuência prévia do Judiciário. O lógico, de acordo com o Ministro, é que, se o Contribuinte se sentir prejudicado de alguma forma, se entender que houve abuso por parte da autoridade administrativa, leve a questão ao Judiciário para que aí sim se tenha uma jurisdição contenciosa.
Na sequência votou a Ministra Rosa Weber, acompanhando os pares, por entender que há uma transferência do sigilo e não uma quebra do sigilo bancário.
A Ministra Cármen Lúcia, acompanhando também os pares e ressaltando que a LC 105/2001 é de âmbito federal e não nacional, mas, já se tem leis com o mesmo teor, reprisando o disposto na referida lei complementar em 23 Estados. Considerou que há garantias suficientes para que seja resguardado o sigilo de dados bancários do Contribuinte e ao mesmo tempo se atenda aos fins principais da lei em questão, qual seja, permitir à Administração a real verificação dos dados fiscais apresentados pelos contribuintes, evitando-se assim a burla, de qualquer forma, do dever de tributar.
O Ministro Marco Aurélio divergiu dos demais, ponderando que não se pode esquecer a principal razão de se determinar a prévia anuência da Justiça: o Poder Judiciário atua de forma equânime. Aduziu que admitir o acesso direto do Fisco às informações, seria o mesmo de se admitir a justiça com as próprias mãos. Não se poderia ter a inversão de o interessado, parte mais forte dessa relação, não vir ao Judiciário para requerer essas informações e o Contribuinte ter esse direito caso venha a pleitear uma anulação ou indenização. Salientou o Ministro decano que a Receita Federal é parte da relação tributária e, por tal razão, não se pode falar em interesse público primário, mas sim em interesse público secundário que não justifica a devassa nas contas dos contribuintes. Considerou que a Receita Federal, órgão arrecadador e fiscalizador, não poderia ter mais poderes que o Judiciário. Entendeu que estaria caracterizada uma verdadeira coação política por parte do Fisco, decorrente dessa transferência automática de informações. Defendeu que sigilo com compartilhamento não é sigilo.