O portal JOTA publicou nesta quinta-feira (27), entrevista realizada com o presidente da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) e secretário municipal de Finanças de Curitiba (PR), Vitor Puppi, sobre a reforma tributária.
A reportagem reforça o entendimento da Abrasf de que as propostas em debate prejudicam a arrecadação dos municípios.
Veja abaixo na íntegra:
Capitais querem ISS fora da reforma tributária e rejeitam junção a ICMS
Por Jamile Racanicci/JOTA
As capitais e maiores cidades brasileiras não querem perder a gestão do Imposto sobre Serviços (ISS) e rejeitam propostas de reforma tributária que unificam o imposto municipal com tributos dos estados e da União. Em entrevista ao JOTA, o presidente da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) e secretário de Finanças de Curitiba, Vitor Puppi, argumentou que uma proposta intermediária de unir o ISS ao ICMS também não agrada os municípios maiores.
“Caminho do meio” estudado no Ministério da Economia, a proposta intermediária é de criar um IVA federal – que resulta da unificação de PIS, Cofins e IPI – e um IVA de estados e municípios, decorrente da fusão entre ICMS e ISS. “É claro que para os municípios é muito melhor continuar com o imposto em que eles já investiram, que eles entendem e que tem dado resultado”, afirmou Puppi, referindo-se ao ISS.
Para manter o controle sobre o tributo cuja arrecadação mais deve crescer no futuro, a Abrasf e a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) apresentaram uma emenda à PEC 45/2019 que mantém o ISS com os municípios. A emenda 195, de autoria do deputado da Vitória (Cidadania-ES), define o conceito de serviço como bem imaterial, de forma que a incidência não mais dependerá de o serviço estar listado em lei complementar.
Ainda segundo a emenda 195, a Constituição determinaria que o ISS não integra sua própria base de cálculo e incidirá sempre no destino, onde está o consumidor do serviço, com alíquota única definida pelo município. A transição para o modelo simplificado de ISS ocorreria ao longo de 10 anos.
Apesar de as capitais preferirem que o ISS fique fora da reforma, municípios menores têm aderido à proposta de unificação porque o orçamento deles é composto majoritariamente de transferências de recursos federais e estaduais. Puppi, no entanto, alerta que nesse modelo as cidades pequenas ficariam à mercê dos estados e da União, que podem não repassar os recursos. “Transferência é sinônimo de ineficiência no Brasil”, declarou.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Como os municípios maiores, a exemplo das capitais, avaliam as propostas de reforma tributária que incluem o ISS na unificação de tributos?
A Abrasf apoia a reforma tributária, mas as capitais em especial veem com preocupação as propostas que hoje estão no Congresso, tanto a PEC 45/2019 quanto a PEC 110/2019. Porque ambas retiram recursos e a autonomia dos municípios, que só ficariam responsáveis por definir alíquotas.
A alíquota que serve de referência para o modelo da PEC 45/2019 é de 25%, somando as alíquotas federal, estadual e municipal. Para que as cidades pudessem ter no modelo da PEC a mesma arrecadação que têm hoje, teriam que subir a 6 pontos a alíquota municipal prevista. Então a alíquota total seria ainda maior que 25%, subiria para 31%. Fica realmente complicado para os municípios.
As capitais se articulam contra a inclusão do ISS na reforma tributária?
Nós [Abrasf] e a Frente Nacional dos Prefeitos [FNP] apresentamos uma emenda à PEC 45/2019 para propor a simplificação do ISS. Os municípios manteriam o ISS de forma mais simplificada, acabando com lista de serviços que dá discordância na interpretação e mudando gradualmente a incidência da origem para o destino.
Muitos municípios menores preferem se financiar por meio das transferências do Fundo de Participação dos Municípios, por meio do qual recebem parte da arrecadação de impostos da União, porque não têm estrutura para implementar e fiscalizar um tributo próprio como o ISS.
Respeito a posição de pequenos municípios que dependem da transferência para sobreviver. Eles têm muito pouca arrecadação do ISS, ou sequer têm. Mas nossa proposta de mudar o ISS da origem para o destino também contemplaria os pequenos municípios, essa parte da nossa proposta talvez não tenha sido bem compreendida por eles. Os pequenos passariam a cobrar o ISS dos consumidores estão na municipalidade deles, o ISS não seria cobrado só de quem está em São Paulo ou no Rio de Janeiro.
Percebemos que existiu uma aceitação muito rápida da reforma pelos pequenos municípios porque também se prometeu aumentar as transferências. Mas viver de transferências é muito ruim, hoje em dia é sinônimo de ineficiência no Brasil.
Porque você depende de um dinheiro que você não tem a gestão, dinheiro que às vezes não chega, como não chegou a Minas Gerais a cota parte do ICMS. Às vezes o dinheiro depende de algum lobby, de alguma circunstância que não apenas a vontade do município.
O TCU divulgou uma auditoria segundo a qual 30% das obras que dependem de recursos federais estão inacabadas, porque a transferência trava, o dinheiro não vem, há muitas instâncias de controle, a burocracia é maior… Temos que incentivar que o dinheiro “nasça”, com competência tributária, onde é prestado o serviço público.
Para a reforma tributária, tínhamos que alocar a competência tributária de forma proporcional ao custo dos serviços públicos. Escola custa x mil reais por aluno, ao todo isso dá x milhões. Vamos colocar a competência tributária que permite arrecadar esse valor para quem presta o serviço.
Como os municípios arcam boa parte dos custos dos serviços públicos, o aumento do piso dos professores é uma preocupação até para as capitais?
Sem dúvida. Fizemos uma simulação em Curitiba. Se a reforma tributária fosse aprovada nos moldes do IBS, a tarifa de transporte que hoje é R$ 4,50 subiria para no mínimo R$ 5,50. Imagine, como os municípios conseguiriam lidar com um aumento de R$ 1 no valor da passagem?
Quanto ao piso do magistério, o governo federal não pode publicar a portaria em dezembro, no apagar das luzes do ano, e transferir o ônus para os municípios. Os municípios sempre têm a pretensão de remunerar o magistério de forma adequada, mas um aumento de 12% é contra qualquer norma de planejamento e responsabilidade fiscal do país. Em alguns municípios o impacto disso seria maior do que se aprovada a reforma da Previdência. A situação é bastante alarmante.
Os municípios aceitariam uma proposta de reforma tributária que crie um IVA dual – um federal e outro de estados e municípios? As capitais topariam unificar o ISS só com o ICMS, ou também são contra?
O ICMS é um tributo em crise aguda. A base está corrompida, e isso quem diz são os próprios estados. Temos um exemplo: imagine ser dono de uma empresa com ações valiosas como as da Apple, aí vem uma grande indústria quebrada e diz: ‘vamos unir nossas empresas, juntamos as ações e dividimos entre nós’. É claro que para os municípios é muito melhor continuar com o imposto em que eles já investiram, que eles entendem e que tem dado resultado.
Por que a base do ICMS ficou corrompida? O que os estados querem dizer com essa expressão?
Em especial devido à guerra fiscal, o valor arrecadado vai baixando cada vez mais. Os convênios do Confaz são descumpridos há muito tempo. E pior, há uma legislação extremamente complexa em cada unidade da federação, o que torna muito complicado fiscalizar e arrecadar. Além disso, a participação do comércio e da indústria tem decrescido no PIB, ao passo que os serviços só crescem.
O ICMS precisa ser repensado, é necessário simplificar a maneira de tributar a circulação de mercadorias e serviços de telecomunicação. Depois é preciso trabalhar nos tributos federais – PIS, Cofins e IPI.
O que os municípios esperam do governo federal?
Entendemos que a União tem que se manifestar, mas não pode interferir na arrecadação dos outros entes, assim como os estados não poderiam ter simplesmente feito uma proposta para retirar o ISS dos municípios. Houve uma invasão de competência dos estados nesse sentido. A comissão mista ainda será formada no Congresso e a União precisa dizer o que ela pretende fazer.
A economia do futuro é mais focada em serviços? Os outros entes estão tentando aproveitar a arrecadação do ISS, que tende a crescer?
Os serviços vêm crescendo exponencialmente. As pessoas dizem que os municípios estão querendo garantir e capturar um crescimento da arrecadação daqui a uns 10, 15 anos, mas não é isso. Hoje os municípios para fecharem as contas nos orçamentos já contam com a previsão de acréscimo na arrecadação do ISS do ano seguinte.
Em Curitiba arrecadamos em torno de R$ 1,2 bilhão ano passado, estamos projetando um acréscimo de R$ 100 milhões. Esse dinheiro já estamos alocando para serviços de saúde.
Foto: Reprodução